Quando a morte realmente ocorre e o que acontece com a mente, por Lama Tsering

morte, esse fenômeno.

Quem arrisca afirmar algo que não seja palpite, filosofia, teoria, dogma religioso, inferência ou dedução? Lama Tsering Everest arrisca, e como uma genuína detentora da linhagem da Tara Vermelha do Budismo Nyingma Vajrayana e discípula de Chagdud Tulku Rinpoche, um dos grandes mestres que já viveram e ensinaram no Brasil, vale a pena ouvi-la com atenção. Diretora do templo Odsal Ling, em Cotia-SP, e ex-tradutora do próprio Chagdud Tulku Rinpoche por 11 anos, ela traz a riquíssima visão budista sobre os fenômenos dessa existência de maneira leve e sólida, ajudando-nos a nortear o caminho (para a morte). Num vídeo curto de 4 minutos, publicado oficialmente pelo Chagdud Gonpa Odsal Ling no YouTube e reproduzido abaixo, Tsering explica basicamente porque a morte é um momento crucial, e como se preparar para ele.

“A mente não acaba no momento da morte”.
— Lama Tsering

A súbita e triste morte do instrutor budista de Meditação e Yoga americano Michael Stone no domingo à noite, por motivos ainda desconhecidos, e a mensagem de urgência de sua esposa Carina — desejando que “despertemos, despertemos” — ecoa e chega até aqui, neste tema tratado por Lama Tsering.

A meditação, ela diz, é o antídoto para despertarmos, ou relembrarmos, o estado perfeito que temos de maneira inata. Eis um trecho transcrito do vídeo:

“Quando a morte realmente ocorre, então esse casulo do nosso corpo irá se romper e nossa mente irá se soltar. Esse momento no qual a mente se solta é muito belo e primordialmente perfeito. Esse momento não acontece apenas na morte, esse momento está presente conosco o tempo todo. Esse momento perfeito, de pura abertura, sem nascimento e sem morte, está sempre presente. Mas estamos muito preocupados com a interação do continuum do nosso corpo e da nossa mente, então esse estado domina nossa experiência e não notamos o momento presente perfeito. Mas na morte, quando as interações corpo e do continuum da mente se rompem, o momento que sempre esteve lá de maneira atemporal se torna óbvio. Estamos tão esmagados com nossas esperanças e medos do dia-a-dia, que essa perfeição fica sublimada. E ainda que faça parte de nós, não o reconhecemos.”
— Lama Tsering

O vídeo segue abaixo, 4 significativos minutos que tratam da importância de nos prepararmos para o momento crucial da morte, a “oportunidade de liberar a mente em sua verdadeira natureza”. Legendas em português embutidas.

 

http://dharmalog.com/2017/07/17/quando-morte-realmente-ocorre-lama-tsering-video/

Escrito por

Jornalista autor do Dharmalog, terapeuta na Hridaya Terapia (São Paulo) e proprietário do Dharma Office.

A incapacidade de parar é uma forma de depressão: Nilton Bonder e a depressão acelerada do mundo.

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“A incapacidade de parar é uma forma de depressão”: Nilton Bonder e a depressão acelerada do mundo

By Nando Pereira (Dharmalog.com)

Não é comum ver a aceleração psicológica do mundo, ou melhor dizendo, das pessoas que fazem o mundo, como algo depressivo, mas o rabino brasileiro Nilton Bonder vê. Num texto intitulado “Os domingos precisam de feriados“, Bonder faz uma importante reflexão sobre a pausa, mostrando como ela faz parte da natureza – “a noite é pausa, o inverno é pausa, (…)” – e como pressupostos da cultura vigente que valoriza a aceleração e ocupação do tempo (como a conhecida crença: “quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante”) estão aloprando as pessoas e a vida que há nelas.

 

Cuidado com a esterilidade de uma vida ocupada demais“, diz uma frase atribuída a Sócrates que circula no “território livre da Internet”. Bonder diz que, para o mundo (ou melhor, e de novo, para as pessoas que fazem o mundo, ou seja, nós), “funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente”, e observa que isso se estende para além dos dias chamados “úteis”, percebendo que “a pergunta que as pessoas se fazem no descanso é ‘o que vamos fazer hoje?’ – já marcada pela ansiedade“.

 

A pausa, de certa maneira, não é só um mero intervalo entre ocupações (apesar de ser isso também), mas um resgate do momento real e uma cura da escravidão inconsciente ao tempo psicológico. “Toda negatividade ;e causada pelo acúmulo de tempo psicológico e pela negação do presente”, diz o autor Eckhart Tolle no seu clássico livro O Poder do Agora. “Desconforto, ansiedade, tensão, estresse, preocupação – todas formas de medo – são causados por muito futuro, e presença insuficiente. Culpa, arrependimento, ressentimento, tristeza e amargura, são todas formas de não-perdão causadas por tempo passado demais, e presença insuficiente”.

Bonder diz que “A prática espiritual deste milênio será viver as pausas”. Tolle certamente diria que é viver em presença.

 

Boa leitura.

OS DOMINGOS PRECISAM DE FERIADOS

Por Nilton Bonder

Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta. Hoje, o tempo de ‘pausa’ é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações ‘para não nos ocuparmos’. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim. Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado.

Nossos namorados querem ‘ficar’, trocando o ‘ser’ pelo ‘estar’. Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI – um dia seremos nossos? Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos.

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.

O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair – literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é ‘o que vamos fazer hoje?’ – já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde.

Quem mata tempo, fere-se mortalmente.

É este o grande ‘radical livre’ que envelhece nossa alegria – o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares.

A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois.

A pausa é que dá sentido à caminhada.

A prática espiritual deste milênio será viver as pausas.

Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

Nilton Bonder.

 

 

Escrito por

Nando Pereira (Dharmalog.com)

Jornalista autor do Dharmalog, terapeuta na Hridaya Terapia (São Paulo) e proprietário do Dharma Office.