Caminhantes Noturnos

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Receber uma dose de conforto, após o sobressalto causado pelo medo do escuro ou de um pesadelo, é também uma lição de confiança e amor

Diana Corso

- | <i>Crédito: Vida Simples Digital
– | Crédito: Vida Simples Digital

Por que as crianças vão para a cama dos pais e eles não conseguem tirá-las de lá? Essa pergunta é repetida à exaustão, inclusive por casais envergonhados desse pecado. Entre as explicações, há uma que pode lhes aliviar a culpa: à noite todos sentimos medo, e os pais se identificam com a ansiedade demonstrada pelos pequenos. Nunca me esqueci dos terrores noturnos que vivi na infância, das artimanhas tentado acordar meus pais, desde choros propositalmente audíveis até visitas à sua porta, onde nem sempre tinha coragem de bater. Houve uma fase em que tinha pânico de um calendário que ficava no corredor visível do meu quarto. Brinde de uma loja, sua imagem mostrava cores misturadas formando belos (de dia) conjuntos. Naquela mancha colorida, eu projetava faces, olhos, narizes. Meus monstros tinham caras humanas. Paralisada, eu mal ousava colocar um dedinho para fora das cobertas. Além do mais havia o terrível e enigmático espaço embaixo da cama. Imagine a coragem necessária para descer e mover-se até o quarto dos pais pedindo socorro. A cama de uma criança apavorada é como um barquinho rodeado de tubarões. Alguns desses pequenos marujos ainda dão-se ao trabalho de lançar-se às trevas levando consigo seu brinquedo preferido. Partir e deixar para trás seu urso de estimação seria uma covardia, além do que ele é um companheiro imprescindível na travessia.  Levei um bocado de tempo até conseguir dizer à minha mãe que tinha medo do calendário, que foi imediatamente removido. Obviamente para ser substituído por outro abrigo de monstros: como um cabideiro, ou a porta de um armário. Os pais acodem aos filhos aterrorizados porque lembram disso. É duro ser rigoroso com quem está em pânico. Some-se a isso que para os pequenos, assim como ocorre até para os adultos quando estão assustados, é difícil diferenciar entre o que se sonhou e a realidade. A noite não é fácil para ninguém, em época alguma da vida. É claro que dormir pode e deve ser repousante. Só que, por vezes, os olhos insistem em encontrar seus monstros na escuridão. Essas criaturas vivem de tocaia. Se convidadas pela imaginação, se lançarão sobre nós. Depois que crescemos já deu para entender que essas coisas são imaginação e a noite, uma tela em que se projetam nossos fantasmas. É como no cinema: a luz se apaga para que a fantasia se acenda. Há noites que são uma batalha contra aquelas ideias que gritam em silêncio, do tipo que se mastiga sem conseguir engolir. Elas são os monstros favoritos dos crescidos. Acredito que as tantas vezes em que não me acudiram forjaram a pouca coragem que tenho. Por outro lado, os aconchegos que recebi ensinaram-me a confiar, a continuar procurando-os nos braços de quem aprendi a amar.

DIANA CORSO é autora do livro Tomo Conta do Mundo – Conficções de uma Psicanalista